Uganda, março 2018 - o país dos sorrisos
Passaram-se exatamente 23 dias e falta, portanto, precisamente uma semana para embarcar. O que dizer até agora? Tem sido um desafio constante, um misto de
emoções e um teste a tudo. Mal pus os pés nesta Terra do Nunca, a minha bagagem teimava em não chegar e a Internet em não funcionar. Aparentemente a UCC (Uganda Communications Commission) decidiu proibir por tempo indeterminado o registo de SIM cards no país. Já não me lembro ao certo o tempo que estive condicionada a encontrar um Wi-fi, algures perdido num restaurante. Felizmente (ou não) o tempo de espera para comer é sempre superior a 45 minutos e, por essa razão, tinha tempo de sobra para me conectar. Isto se, claro está, o iPhone ainda tivesse bateria (o eterno problema, sabem, não é?) já que também não parecia assim tão fácil conseguir encontrar um adaptador. Felizmente a Stella tem sempre uma solução para tudo e o que importa é não stressar e relembrar (sempre) que a maioria das pessoas por aqui não tem sequer um telemóvel, nunca ouviu falar de redes sociais e na verdade só gostariam de ter um colchão para dormir. A maioria não tem um colchão para dormir. As crianças da 22 Stars
conseguiram agora um colchão cada uma (aposto que dormem em cada colchão
8 pessoas, no mínimo) e eu dava tudo para vocês verem a festa que elas fizeram. Elas, as mães e toda a comunidade.
Têm sido dias intensos, é um facto. Cheios de peripécias,
horas mal dormidas, mas no final do dia carregamos tantos mas tantos
sorrisos no peito. Agarramos tantas mãos diariamente e abraçamos tantos
corações. Eles e elas acham que lhes saiu a sorte grande. Eu cá acho que
só têm, agora, um bocadinho do que merecem. E no meio disto tudo, gosto
sempre de acreditar que a mim é que me saiu a sorte grande: por poder
ver os seus sorrisos diariamente e por poder (novamente) perceber quão
gratos devemos ser pelas nossas vidas.
Na segunda-feira (26 de março) conheci uma Australiana que me perguntou o que fazia por cá. Depois disso disse-me: é tão difícil, não é? Expressar o que sentimos por aqui. Deitar cá para fora e expor por palavras tudo o que vivemos intensamente com estas pessoas. Oh se é. Acenei com a cabeça, quando constatei que não era a única. Vou demorar a conseguir falar sobre isto. Acho que, na verdade, nunca conseguirei pôr por palavras tudo o que vivi, senti, experienciei. E de cada vez que chego por perto, eles correm para me abraçar com toda a intensidade do mundo. Se me sento, tenho logo dois ao meu colo e outros tantos agarrados aos meus braços e pernas e outros a mexer-me nos cabelos e nas unhas. “You are the best best girl/teacher.” Repetem. Vezes sem fim. Mas quando dizem “you are my savior” só tenho vontade de gritar para pararem e dizer de volta “no, I’m not. You are mine.” Porque eles nos tocam no coração e nos mudam cá dentro. E eu sei que nunca vou conseguir passar-vos tudo o que senti por cá. Nunca vou conseguir contar-vos tudo o que vivi por cá. Mas sei que no dia em que me for, um bocadinho do meu coração ficará com eles e sei que terei mudado um pouco.
Como é que alguém consegue viver num quadrado de casa, com uma média de 10 pessoas lá dentro, sem um colchão, sem água quente, sem luz (a maioria) e com (no máximo) uma refeição diária no estômago, perguntam vocês? E acho que a minha melhor resposta a isso seria: porque nunca conheceram outra realidade e porque no final do dia, para eles, tudo o que importa é estarem vivos. E eu só vos posso dizer que sou muito feliz aqui, no meio deles.
Já me segues nas redes sociais?